De
julho de 2011 a agosto de 2012 fui assessor técnico da Câmara de Aracaju - CMA
no processo de revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Sustentável
– PDDUS. Agora como cidadão, venho acompanhando o processo de votação das
emendas cujos primeiros resultados são decepcionantes.
O
processo de revisão do PDDUS se iniciou em 2005 com participação de representantes
da sociedade civil. Continuou em 2009 no CONDURB e seguiu em 2011 e 2012 com 33
audiências públicas promovidas pelo legislativo, onde grupos da sociedade, a
assessoria técnica da CMA e os cidadãos mostraram até a saciedade os graves
problemas decorrentes da legislação atual, tais como a carência de áreas
verdes, aumento dos congestionamentos, falta de estacionamentos, calçadas
estreitas, desconforto térmico, degradação ambiental e outros.
Todas
as sugestões de emendas ao projeto de lei do novo PDDUS receberam o mesmo
tratamento, não importando se foram apresentadas nas audiências públicas ou encaminhadas
à CMA por entidades da sociedade civil.
Após
as primeiras votações das emendas, a impressão que se tem hoje é que esse longo
e democrático processo foi inútil e que tão ampla participação popular não é
reconhecida pela maioria dos vereadores.
Por
um lado, apesar das 33 audiências públicas, 2 eventos de capacitação e farto
material impresso e digital colocado à disposição dos vereadores pela
assessoria técnica, o desconhecimento desses vereadores em relação ao projeto do
PDDUS fica cada vez mais evidente, seja pelo silêncio ou pelos argumentos
inconsistentes usados ao justificar seus votos.
Por
outro lado, os resultados das votações comprovam o total alinhamento dessa
maioria com um segmento da sociedade, o das construtoras, que apresentou suas
propostas através da ADEMI-SE. Essa
mesma maioria vem sistematicamente rejeitando qualquer proposta da sociedade
que contrarie as propostas desse segmento, inclusive as que surgiram nas
audiências públicas e as elaboradas pela assessoria técnica da CMA.
A
decepção começou na votação de uma emenda à Lei Orgânica de Aracaju – LOA que
pretendia fixar um teto máximo de 3 para o coeficiente de aproveitamento,
delegando ao PDDUS a discussão dos valores básicos e máximos por zona. Em
parecer técnico apoiei a emenda e destaquei a necessidade de aprová-la antes da
discussão do coeficiente no PDDUS. Um vereador mencionou meu nome e meu parecer
para justificar sua posição, mas votou contra a emenda.
Outros
vereadores foram contrários à emenda argumentando que um coeficiente máximo de
3 inviabilizaria projetos de moradia popular. Nada mais falso. A verdade é que
projetos de moradia popular em casas unifamiliares não superam um coeficiente
de 0,4 e em prédios multifamiliares chegam, no máximo, a 1,0. O próprio projeto
do PDDUS estabelece um coeficiente máximo de 1,0 para as áreas de interesse
social onde serão construídas essas moradias. E não foi por falta de aviso. Uma
representante do grupo Participe-Aju esclareceu a questão com exemplos reais
antes da votação da emenda. De nada adiantou.
O
resultado da rejeição da emenda é péssimo para Aracaju. Como o Plano Diretor é
hierarquicamente inferior à LOA, o coeficiente de aproveitamento, que controla
o adensamento, não poderá ser mais discutido no PDDUS e permanecerão os limites
estabelecidos na LOA que são os mesmos do Plano Diretor vigente, os mais altos
e permissivos praticados entre as capitais brasileiras. Inclusive, os valores
propostos no projeto de lei do novo PDDUS encaminhado pelo executivo foram automaticamente
descartados.
Aracaju
é a única capital do Brasil que define limites do coeficiente de aproveitamento
na Lei Orgânica devido a uma emenda aprovada em 2000 antes da aprovação do
Plano Diretor. O objetivo, hoje comprovado, era o de perpetuar esses limites
sem permitir sua revisão ou discussão ao nível do Plano.
Depois,
já durante a votação das emendas “polêmicas”, um vereador da maioria justificou
seu voto pela manutenção do tamanho mínimo das glebas em 40.000 m² afirmando
que uma redução resultaria em menos áreas públicas para a cidade, quando a
verdade é exatamente a inversa. Além de demonstrar desconhecimento do conceito
de gleba e de sua aplicação no PDDUS, o vereador ainda afirmou que esse tamanho
é fixado pela Lei Federal 6.766/79. Acontece que nem a Lei mencionada nem a de
nº 9.785/99 que a alterou fixam qualquer valor para o tamanho da gleba. A
maioria acompanhou a posição equivocada do vereador e rejeitou uma emenda do grupo
Participe-AJU e outra da assessoria técnica, que fixavam esse tamanho em 8.000
m² e 15.000 m², respectivamente. É bom lembrar que no projeto inicial do novo
PDDUS, o tamanho mínimo da gleba seria de 10.000 m². Em 2009 a ADEMI-SE propôs
e aprovou no CONDURB a alteração para 40.000 m².
As
consequências de ambas as votações, a do CONDURB em 2009 e a atual na CMA, são
gravíssimas. Os empreendedores só são obrigados a doar áreas verdes, para
equipamentos públicos e para ruas ao lotear glebas, ou seja, pelo que foi
aprovado, terrenos que ultrapassem os 40.000 m². Acontece que tem pouquíssimos terrenos
com mais de 40.000 m² em Aracaju, a maioria deles na Zona de Expansão. Portanto,
a Prefeitura terá cada vez menos áreas públicas para construir praças, escolas,
posto de saúde e outros equipamentos e para implantar ruas e avenidas, agravando
a falta da mobilidade. Estudo feito com dados do cadastro imobiliário de
Aracaju prova que em muitos bairros não surgirão novas áreas públicas em
decorrência do tamanho mínimo da gleba aprovado pela maioria.
Vários
outros exemplos poderiam ser citados. O fato é que a maioria parece tratar as
emendas mais em função de sua origem que por seu conteúdo ou mérito. Tanto que
estão sendo votadas sem tempo hábil para sua análise prévia.
Além
de desprezar a participação de grande parte da sociedade, a maioria da Câmara
está desvirtuando o projeto de Lei que o executivo encaminhou, retirando dele
as mudanças mais importantes que trazem ganhos para a cidade, se comparado com
o plano atual. Um retrocesso histórico.
Se
nada mudar, a tendência é uma descaracterização ainda maior do projeto de lei
tornando-o uma cópia do Plano Diretor vigente, com alterações pontuais de
importância menor. Os maiores benefícios que o projeto trazia e as
contribuições mais relevantes recolhidas nas audiências públicas e das
instituições e grupos representativos da sociedade estão sendo sumariamente
descartados. Será, portanto, mais um Plano Diretor não sustentável e não
participativo.
Uma
ressalva deve ser feita para destacar uma minoria de 4 vereadores que está sempre
votando a favor das emendas que representam avanços urbanísticos, sociais e
ambientais para Aracaju e contra as propostas que acentuam o caos que começamos
a vivenciar.
Aqui
cabe um alerta. Nas últimas sessões alguns vereadores da maioria passaram a
votar com a minoria, porém preservando a maioria absoluta. Inclusive, dentro
dessa lógica, na sessão de ontem a maioria se juntou à minoria para rejeitar
uma emenda da ADEMI-SE, é claro que de relevância muito menor que as outras já
aprovadas. Parece ser uma tentativa de se esconder o alinhamento dessa maioria
com a ADEMI-SE, já sacramentado na votação da emenda à LOA e de outras emendas
do PDDUS.
Na
tumultuada sessão de ontem, que na verdade foram duas, vereadores da maioria
manifestaram o desejo de votar todo o Plano antes de 7 de outubro. Ocorre que
após as votações consensuais do período extraordinário em julho, as votações do
PDDUS só foram retomadas em setembro e a ritmo muito lento. Como explicar essa
repentina urgência para concluir a votação?
Ignorando
os vereadores da minoria e a assessoria técnica que solicitavam tempo hábil
para analisar as emendas a serem votadas, no início da noite foi instalada mais
uma sessão extraordinária. Ao todo, ontem foram votadas de forma atropelada nada
menos que 65 emendas recebidas pelos vereadores apenas minutos antes do início
das sessões, sendo que a média de votação não passava de 8 emendas diárias. Pelo
avançado do horário, nenhum meio de comunicação cobriu a sessão que ocorreu
como se fosse secreta.
Tanto
na maioria como na minoria de 4 vereadores, há membros da situação e da
oposição, apoiando um ou outro dos candidatos a Prefeito. Portanto, não procede
qualquer tentativa de partidarizar ou tirar proveito eleitoral da discussão do
PDDUS. O problema é outro.
Faço
um apelo aos senhores vereadores para que analisem com calma as emendas antes
de votar e reflitam sobre as graves consequências de suas escolhas. Considerem os
anseios dos cidadãos manifestados nas audiências públicas e o posicionamento das
organizações representativas da sociedade. Consultem e ouçam a assessoria
técnica, se ela decidir continuar depois de ser destratada na sessão de ontem.
Eu
poderia permanecer em silêncio, até em função da boa relação que mantive com os
vereadores durante minha assessoria. Continuo respeitando-os enquanto representantes
do povo eleitos para discutir e votar leis municipais, inclusive o PDDUS. Mas
como cidadão não podia me omitir vendo os destinos de Aracaju sendo traçados dessa
forma. Vendo como são ignorados o esforço, conhecimento técnico e boa vontade
de tantos profissionais, funcionários da PMA e da CMA e cidadãos que deram sua
contribuição nas audiências públicas ou em reuniões técnicas paralelas. Vendo 7
anos de participação popular sendo desprezados. Vendo, enfim, um único segmento
da sociedade sendo beneficiado em prejuízo da qualidade de vida de todos os
aracajuanos, desta e das próximas gerações.
Aracaju,
26 de setembro de 2012.
Juan
Carlos Gortaire Cordovez
Engenheiro
Civil